Bruce Dean Willis

is Professor of Spanish and Comparative Literature at The University of Tulsa. His research and publications focus on diverse aspects of poetry and performance, and expressions of Indigenous and African cultures, in Latin American literature, particularly Brazil, Chile, and Mexico.

TIME FOR CHOCOLATE is available for purchase through One Act Play Depot! A brief description:

An intoxicating evening of music, poetry, and chocolate... in pre-conquest Mexico!
Based on a fifteenth-century dialogue among nobles schooled in rhetoric and philosophy, the play pits father against son in a war of words over the power and beauty of artistic expression.

Tuesday, August 4, 2009

Depoimento da Iara

This brief narrative sprang from a dream. The iara, a mermaid-like figure in Brazilian folklore, has been summoned to the precinct...


Entrou no meu escritório se arrastando pelas mãos, e trepou na mesa com dificuldade para se sentar. Não deixei me perturbar pela nudez natural dela: assim é a imagem arquetípica por ela mantida. Só senti um pouco de lástima porque não pôde acomodar a cauda na rigidez da cadeirinha de metal. As duas pontas da cauda pingavam água pelo chão.

Ofereci um cafezinho e não aceitou.

“Não vou falar,” disse ela, e sua voz foi uma e foi múltipla. “Vou cantar,” acrescentou, como quem emana melodias.

“Tanto faz,” respondi.

Principiou cantando. A voz não saia da boca dela, ou não somente da boca, saia também dos profundos olhos verdeazuis; dos cabelos longos verdeamarelos, desarrumados e agitados; dos mamilos, concêntricos nos seios fartos; das unhas dos dedos extendidos sobre a mesa.

O canto começou meigo. Pude entender, sem compreender totalmente o idioma líquido-musical, alguma mensagem tranqüila mas movimentada, como surpreendida de aparecer à luz do sol. Porém cresceu em volume, e entanto descia a voz dela ao fundo náufrago, toda ela se enchia de luminosidade, os olhos transformados em faróis fosforescentes; os cabelos flotando no ar; os seios, cheios da maré, se derramando nos bicos erigidos; as ancas esquivas gingando um vaivém náutico.

Eu, não falta dizer, fiquei transfigurado. De supetão entendi a paciência milenária do jacaré, palpei a força sinuosa da cobra pelas ondas do Amazonas, percebi a repentina coreografia dentuda das piranhas. Senti que me afogava numa iluminação aquática, hipnotizado pela voz dos cabelos dos olhos dos seios dos lábios dos braços fluidos da iara, que foi uma, como seréia, e legião, como deusa.

Senti uma volúpia tal...

Ah, mas quando ela alegou que quem seqüestrou o rapaz foi o boto, achei uma mentirinha ridícula, sem graça.

Tirei as algemas da gaveta.

Alarmada, ficou calada e produziu um muiraquitã do tamanho do meu punho, pendurado num colar de couro. Tentou colocá-lo no meu peito.

“Não aceito subornos,” falei.

E o amuleto desfez-se num sapo que pulou da mesa. Mas quando tocou o chão, se converteu no rapaz seqüestrado.

Agora a iara, esquálida e pálida, ficou triste, desajeitada.

O rapaz dizia que não queria abandoná-la, que queria morar com ela no Encante de noite, e com os pais dele de dia.

Eu, que sou sobrinho do saci, sei dessas coisas. Então permiti que saissem sem processos e sem multas.

E me fui à casa, assobiando os tênues ecos lembrados do canto da iara.




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