Iracema e América. Uma é mulher, e a outra, terra: relação anagramática estabelecida por José de Alencar no popular romance epónimo de 1865, entre o nome da "virgem dos lábios de mel" (do tupi) e o continente chamado pelo nome do cartógrafo e navegador Vespucci. Aliás uma metáfora tão velha quanto Eva - o útero da mulher é terra que dá frutos. Daí no romance de Alencar o continente indígena explorado é femenino, e o explorador europeu, masculino. O fato de ela ser virgem é indicativo de que os europeus ignoraram, às vezes sem querer, os descobrimentos feitos pelos próprios indígenas enquanto às características do meio ambiente deles. Por isso Iracema é também sinónimo da utopia (América), imaginada, desejada antes de procurada pelos marinheiros do velho continente, masculinos na grande maioria. Eles imaginaram também as Amazonas; desejo deles de serem os conquistados?
Então, qual fêmea é quem? Quem tem seios e quem montanhas? Quem tem sistema fluvial e quem fluxo menstrual? A equivalência alegórica une campos semânticos e os confunde, um contendo o outro e vice versa, sugerência que resulta do arranjo anagramático dos dois As, um C, um E, um I, um M e um R nos nomes delas. São quase as mesmas letras que conformam o nome do filho, MOACIR, fruto de Iracema e do guerreiro português Martim. Na sopa de letras de "Moacir" só falta é mesmo o O de "Iracemo" ou "Américo."
Uma pergunta: seria o caso que a mulher pode ser a exploradora, e o homem--o "Iracemo"--a metáfora da terra? Existe uma possível interpretação desse motivo no Popul Vuh, "Conselhos da Comunidade" dos maias quiché. A intrépida garota Ixquic recebe na mão a saliva da boca do Han-Hunahpu, cuja cabeça cortada pendura duma árvore depois de sacrificado pelos Senhores da Morte. Pela saliva ela fica grávida com os gêmeos, Hunahpu e Ixbalanqué, que convertem-se em heróis do povo. E da mesma Pindorama, terra de Iracema, temos um exemplo das Estórias do Vovô Pajé por Emil de Castro: "A Serpente que Foi para o Céu." Coisa parecida ao caso quiché: um cabelo do homem, colocado num ovo que a mulher chupa, impregna ela. Depois a saliva masculina que enche uma sorva fala, e nasce uma serpente que, como os heróis gêmeos, sobe ao céu e converte-se em presença natural benévola ao fim do conto.
Estamos vendo que, de jeito autóctone ou de maneira européia, a metáfora fica inalterável: da terra sai o fruto e da mulher sai o filho, seja ele serpente, herói, ou a personificação romântica da mestiçagem. "Iracemo" parece ser uma alegoria pouco frutífera mesmo, a não ser ele, como sugerido anteriormente, outro aspecto anagramático de Moacir como filho de dois sangues e fundador de um povo mestiço!
Thursday, May 27, 2010
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