Ah, as saudades que tenho dessa época da minha vida! Sendo aluno pos-graduado em literatura latino-americana na Universidade de Virginia, lá pelo meio da década dos noventa, decidi trabalhar de garçom em um dos três restaurantes brasileiros que houve então na pequena cidade de Charlottesville. Eram os restaurantes ABC: Amazonas, Brasil-Brazil, e Copacabana.
Eis o caso que essa área do estado de Virginia recebera uma grande porção da muito comentada emigração da cidade de Governador Valadares, no estado brasileiro de Minas Gerais. Então os donos desses três restaurantes, mais o dono de um restaurante italiano, representavam, localmente, essa diáspora em particular. No caso do Amazonas, a cozinheira era que tinha chegado de GV em Minas. O namorado dela, peruano da região amazônica (Iquitos), era o dono e pôs o nome do restuarante, mesmo que a comida tinha tendência muito mais mineira e baiana do que amazônica!
Foi, agora entendo, um trabalho ideal para mim nesse momento, porque me ofereceu a oportunidade de praticar constantemente não só o português e o espanhol falados, mas também a contínua mudança entre eles. O dono e eu éramos os únicos que falávamos os três idiomas bem. Num procedimento típico, eu tomava a ordem em inglês, passava pela área de pratos e colheres e garfos etc. falando com os outros garçons em espanhol, e dava a ordem na cozinha em português. Muito embora, também era normal ter freguês hispano-falante, ou mesmo luso-falante de vez em quando. Houve também garçons brasileiros, e garçons americanos que expressavam-se só em inglês.
Mas o grande desafio para mim era manter separados estes dois idiomas ibéricos transplantados. Observava, com fascinação lingüística, como era que a cozinheira e o assistente dela, mexicano de Jalisco, falavam-se no calor do momento e às pressas um estranho portunhol, feito sempre ou de cognados culinários mutuamente compreensíveis ("pão" e "pan," "cebola" e "cebolla") ou da opção, de entre as duas línguas, que oferecia menos sílabas: "faca" mas não "cuchillo," "piña" e não "abacaxi"!
E em aquele ambiente bem bohêmio de muros de estuco decorados com artesanatos peruanos, eu também absorvia a MPB (música popular brasileira) que sempre ouvia-se no restaurante (sobretudo a coleção Brazil Classics compilada por David Byrne); experimentava a excelente comida da cozinheira: feijoada, moqueca, mariscada, macarronada, quindim, etc. e tal; aprendi a preparar caipiroskas (ou seja com vodka, e não caipirinhas, porque a venta da cachaça era prohibida pelo governo estatal!); e mais que nada, fiz amizades e vivi belos momentos, mesmo quando berrava algum freguês chateado!
Monday, July 26, 2010
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