O nu literário às vezes retrata-se num contexto natural, favorável aos objetivos da filosofia naturista. O seguinte são idéias referentes a alguns exemplos do nu natural num contexto especificamente brasileiro: o modernismo. Oswald de Andrade, por exemplo, contextualiza o nu com versos “digeridos” dos colonizadores portugueses. Eis o “erro de português”:
Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português
Já no começo do modernismo, no esforço de revalorizar a autêntica cultura brasileira, Oswald apontou para o aspecto positivo do nu, porém um nu potencial, não realizado no desigual intercâmbio das tradições. Nestes versos o clima parece ser o único fator decisivo na luta da roupa, mas como sabemos, na realidade a religião e os costumes europeus foram as causas da abolição da prática indígena de andar despido. Em mais um poema, “as meninas da gare,” Oswald volta a este momento inicial de contato entre culturas para desenvolver o efeito da nudez natural dos indígenas sobre os europeus. Os versos, ironicamente traspostos da Carta de Pero Vaz de Caminha (de 1500) a um cenário urbano moderno, cuestionam jocosamente o preconceito importado da vergonha:
Eram tres ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espadoas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tinhamos nenhuma vergonha
As “vergonhas” expostas aqui curiosamente negam, dentro dos mesmos versos, a possibilidade da “vergonha” católica na que foram criados os colonizadores. Desajeitavelmente não foi possível a inteira erradicação deste conceito do pecado original, mesmo que alguns poucos europeus adotaram o estilo naturista dos povos autóctonos. Tanto na poesia do Oswald quanto nos seus manifestos “Pau-Brasil” e “Antropofagia,” a nudez forma parte da cosmovisão indígena revalorizada pelos autores e artistas do movimento modernista.
Mário de Andrade também utiliza o nu natural, de uma maneira que afirma o caráter pluricultural do povo brasileiro. Na sua rapsódia Macunaíma, o protagonista (que quase não fala) e os dois irmãos dele saem do banho que tomaram na marca do pezão de São Tomé, transformados nos fenótipos característicos do país: branco, vermelho e negro: “E estava lindíssimo na Sol da lapa os três manos um louro um vermelho outro negro, de pé bem erguidos e nus. Todos os seres do mato espiavam assombrados.” Altamente representativa da origem natural do país, a fauna indígena aparece numa lista que faz Mário de nomes e variedades das espécies e dos ruidos que faz cada uma. Os animais “assombrados” começam a fazer barulho até que Macunaíma “botou as mãos nas ancas e gritou pra natureza: ─Nunca viu não! Então os seres naturais debandaram vivendo e os três manos seguiram caminho outra vez.” É somente depois deste bautismo (que é também metamorfose e renascimento) acompanhado pelos irmãos nus, fenotipicamente diversos, e acompanhado também pela “fala” natural dos animais do mato, que Macunaíma vai começar falar com verdadeiro sotaque e vocabulário brasileiros. Nesta cena, e também na exagerada cerimônia macumbeira num capítulo posterior, a nudez é condição imprescindível para a aproximação à essência puramente brasileira.
De maneira semelhante, as famosas imagens de Tarsila do Amaral, como A Negra e Abaporu, realçam a importância que deram os modernistas ao nu como expressão autêntica. Nestas imagens e outras semelhantes, o corpo é muitas vezes exagerado, favorecendo certa parte deformada, num intento de estender, de esse jeito emblemático, os limites da representação corpórea do país. O corpo nu foi para os modernistas um conceito atávico, ideal para encarnar a liberdade artística da criação duma nova e orgulhosa identidade nacional.
No comments:
Post a Comment