Venho contar pra vocês
um cordel de três irmãs
simpáticas e bonitas,
inteligentes e sãs,
porém elas são humildes,
não altaneiras nem vãs.
Moram numa ilha tranqüila
bem no meio da Bahia---
a que é de Todos os Santos--
nadando a periferia,
brincando e cantando estranhas
e aquáticas melodias.
Elas nadam nuas sempre--
assim descoberto o peito--
sem malícia, sem pudor,
naturais, sem preconceito,
porque estas irmãs são iaras.
Vivem nuas desse jeito!
Moqueca é a irmã mais velha.
Alta, negra, responsável,
toma conta da família,
mantém a harmonia estável.
Quando acha oportunidades,
procura a recomendável.
A segunda é Mariscada.
Moreno tem o cabelo,
pele canela, olhos verdes,
e um balanço muito belo
pois nada contra a corrente
seguindo um sonho sem vê-lo.
A mais nova, ainda pequena,
de nome Macarronada,
é ruiva, baixa, gordinha.
Disposição animada
tem, pois em todo momento
atua precipitada.
Macarronada é produto
de outra família; é adotada.
Não é baiana; é mineira.
Tem a pronúncia alterada.
Mesmo assim ela faz canto
e com suas irmãs nada!
O caso é que resolveram
cuidar da Praia da Barra
protegendo-a de inimigos
de uma maneira bizarra,
pois vão ouvir como elas agem
segundo este cordel narra.
Foi numa noite de nuvens,
acesa a luz do farol,
o lampião quase visível
como faíscas de sol,
que apareceram dois barcos
da frota do rei espanhol.
As três irmãs, espreitando,
ouviram esta conversa:
"Estos brutos de Bahia
tienen su armada dispersa."
"Después de nuestro saqueo,
¡cómo quedará de adversa!"
"Ataque!" as iaras gritaram,
e agitaram as correntes
fazendo bater as caudas.
As águas ficaram quentes
e os madeiros dos navios
soltavam fumaça, ardentes.
Com raiva na água fervida,
fizeram-se cozinheiras.
Moqueca mudou de canto,
pediu favor das palmeiras
mandarem voando os cocos
pelas brisas passageiras.
Atingiram nos navios,
dando leite em goteirões.
Chamou os outros ingredientes:
cebolas e pimentões,
alho, azeite de dendê,
tomates e alguns limões.
Chegaram voando no ar
e cairam perto dela.
Então tudo misturou.
Fez da bahia panela,
e cozinhou quanto fruto
do mar que cabia nela.
Mas Mariscada achava ruim--
sacrifício insuportável--
deixar tanto peixe morto,
pois curtia o "sustentável."
Então com Macarronada
fez um plano formidável:
Magicamente teceram,
usando uns grandes novelos
feitos de uma coleção
familiar de seus cabelos,
uma rede limitando
a área desses bons apelos.
Assim ficaram presos
os espanhóis nos seus navios:
a zona interior fervia.
Protegidos pelos fios,
na zona exterior pulavam
peixes e animais sadios.
"¡Por Dios! ¡Nos están guisando!"
os marinheiros berraram.
Suando, desesperados,
rapidamente tiraram
casacos, camisas, calças
até despidos ficaram.
As iaras os viram nus,
desarmados e perplexos.
Aí falou Macarronada:
"Os jeitos não são complexos.
A comida já está feita e
pro baile, ambos os sexos!"
Adotando aquela idéia,
lembraram dicas maternas:
morderam-se os rabos, jeito
de dar mudanças internas,
transformando o que é de peixe
numas belas e fortes pernas.
Convertidas em mulheres,
subiram nas caravelas
trazendo moqueca quente
numas mágicas tigelas.
Os homens, maravilhados,
não desistiram de vê-las.
De novo elas cantaram,
os guerreiros convidando
a comerem e dançarem
toda a noite, desfrutando
a festa náutica e nua,
o farol iluminando.
Os espanhóis aceitaram.
A festa foi um sucesso.
Foi mostrada a cortesia
naquele alegre congresso.
Quanto aos bons fins diplomáticos,
A nudez virou progresso!
Muitos fazem homenagem
à mensagem dessa lenda.
Com apreço se reúnem
a fazer da nudez, senda
da humanidade instruída
a ver o mundo sem venda.
Por isso é que o dia de hoje,
quando vem alguém à praia
dançar e comer ao sol
sem sunga, tanga, nem saia,
deve ter zona marcada,
todos respeitando a raia!
Tuesday, September 28, 2010
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