Bruce Dean Willis

is Professor of Spanish and Comparative Literature at The University of Tulsa. His research and publications focus on diverse aspects of poetry and performance, and expressions of Indigenous and African cultures, in Latin American literature, particularly Brazil, Chile, and Mexico.

TIME FOR CHOCOLATE is available for purchase through One Act Play Depot! A brief description:

An intoxicating evening of music, poetry, and chocolate... in pre-conquest Mexico!
Based on a fifteenth-century dialogue among nobles schooled in rhetoric and philosophy, the play pits father against son in a war of words over the power and beauty of artistic expression.

Thursday, January 20, 2011

O Moleque e a Preguiça

Escrito como se fosse um trecho perdido e achado de Macunaíma (Mário de Andrade, 1928), lá pelo capítulo XII...

Gritando pelas ruas veio um moleque. Veio o moleque berrando, "Vendo preguiça! Preguiça à venda!"

Jiguê, com fome e com raiva, disse pro benjamim: "Vá por ai."

Mas Macunaíma, primoroso, falou, "Vou à procura da pesquisa da preguiça!"

Seguiu o moleque pelas avenidas e pelos bulevares o dia todo. Enfim achou na Rua Lopes Chaves.
Arfando, de mãos nos joelhos, Macunaíma apenas pôde perguntar, "Qual seu nome, rapaz?"

"Mário."

"Como é que é que 'tá vendendo preguiça? Tinha sabido dessa novidade eu também vendia."

"O senhor tem preguiça também? Onde?"

"Onde a sua! Não estou vendo preguiça nenhuma, não!" O herói estava zangado. "Você vem aqui correndo e gritando, e eu seguindo feito arara maluca!" Assim foi a origem da expressão, 'ficar uma arara.'

O moleque pelou dentes de orelha a orelha e indicou pela avenida. "Lá longe ela vem devagar."

Macunaíma espreitou à distância um pequeno vulto pendurado dos fios elétricos. "Essa preguiça nunca vai chegar."

"Isso," disse o Mário. "A preguiça não chega. Ela só é."

"Então quem vai querer comprar preguiça? Nem dá para comer bem."

"Ela é muito produtiva. O senhor não percebeu que a preguiça é essencial para uma civilização tropical como a nossa?"

"Nada disso, molequinho. Essencial só é comer, brincar, dormir. A preguiça até impede."

O Mário deu uma grande gargalhada. "Pois sim! E o único que sabe fazer a preguiça! De tudo isso ela dá lições. Não perca a oportunidade de compra!" E o moleque tinha razão.

"Me dá em 50 cacaus."

"Cacaus?"

"Não foi você que falou em civilização tropical?"

"Então 200."

"O que é isso? 100."

"150. A preguiça não é barata."

"100! Nem um cacau a mais!"

"Então não vendo não. Vou continuar tomando conta da preguiça."

Macunaíma, muito aborrecido, proferiu uma das favoritas de sua coleção de palavras-feias. Fingiu indiferença e se foi embora. Mas escondeu-se detrás de um poste de luz e esperou que o Mário saisse. Depois foi correndo correndo até onde pendurava a preguiça, já com farta fome, e tirou sua zarabatana. "Fácil que nem pescar com cunambi," disse o herói.

Deu na preguiça, preguiça caiu. Mas, deitada na rua, ela não morreu não, ela crescia e crescia até se tornar o Ai-Pódole, Pai das Preguiças. Ficou do tamanho de um prédio, de garras enormes, rabo como um trem, uma preguiça pré-histórica! Agitou o rabo derrubou um bonde cheio de italianos, alemães, japoneses, bolivianos, espanhóis, libaneses, nordestinos e um caboclo todos numa confusão de pernas pro ar no meio da rua.

Macunaíma ficou estarrecido. Berrou pelo moleque, "Mário! Mário! Olha só a maldição que você fez! Grandíssima bobagem sua civilização tropical!"

Mas o Mário lá estava entre a humanidade oceânica. Respondeu, "De jeito nenhum! O senhor robou, agora a preguiça é do senhor!" E o moleque Mário se foi embora pra fazenda de um amigo em Araraquara, se deitar numa rede compor rapsódia.

Macunaíma olhou pro animal descomunal e coçou a cabeça. "Ai, que preguiça!"

No meio do pavor dos transeuntes e o caos vial apareceram Maanape e Jiguê na procura do herói. No entanto o Ai-Pódole comia tranqüilamente as flores do balcão do sétimo andar do Hotel Versailles.

Falou Maanape. "'Ta vendo, irmão? Essa sua preguiça já cresceu demais." E jogou na ponta da garra do Ai-Pódole um pó mágico que preparasse.

O Ai-Pódole, de supetão, encolheu e encolheu e ia se encolhendo até ficar a preguicinha que vendia o moleque. Maanape era feiticeiro. Então recolheu a preguiça da rua e levou pro Ibirapuera.

Falou um italiano, "São Paulo é uma barbaria."

Falou um alemão: "Os brasileiros são bárbaros."

Porém Macunaíma não agüentou e gritou, mãos nas costas, pros paulistas de todas as cores e de todos os tamanhos, "A preguiça é essencial para uma civilização tropical como a nossa!"

A multidão apupou e se dispersou pro banco, mercado, correio, armazém.

Macunaíma ficou zombado. Fez rede da bandeira paulista no balcão do Hotel Versailles, se deitou, e começou a mijar quente nos pedestres lá embaixo.

Jiguê, faminto, foi caçar anta à beira do Tietê. Jiguê era muito bobo mesmo.

No comments:

Post a Comment